Ter, 19
de Agosto de 2014 12:01
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Pesquisa encomendada pelo CFM e APM revela percepção dos brasileiros
sobre a saúde e o SUS. Na opinião dos entrevistados, fila de espera, acesso
aos serviços públicos e gestão dos recursos estão entre os principais
problemas do setor.
Os serviços públicos e privados de saúde no Brasil são péssimos, ruins
ou regulares para 93% dos eleitores brasileiros. A sensação também é de
insatisfação em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS), segundo 87% da
população. Essa avaliação considerada negativa pelos pesquisadores integra
pesquisa inédita realizada pelo Instituto Datafolha a pedido do Conselho
Federal de Medicina (CFM) e da Associação Paulista de Medicina (APM). Estas e
outras informações foram divulgadas nesta terça-feira (19), durante coletiva
à imprensa, em Brasília.
“Trata-se de um censo que confirma o que os médicos já veem
denunciando há muito tempo: a saúde não é uma prioridade de governo. O grau
de insatisfação é emblemático e aponta o desejo da população por mudanças
profundas na condução dos rumos do país. Essa pesquisa deve gerar a reflexão
na sociedade sobre os caminhos a se tomar”, afirmou o presidente do CFM,
Roberto Luiz d’Ávila.
Metodologia
De acordo com o inquérito, a saúde no Brasil é apontada como a área de
maior importância para 87% brasileiros e é também indicada por 57% como tema
que deveria ser tratado como prioridade pelo Governo Federal. A abrangência
do estudo foi nacional, incluindo regiões metropolitanas e cidades do
interior de diferentes portes, moradores nas cinco Regiões do país. Foram
ouvidas 2.418 pessoas – 60% delas residentes no interior – entre os dias 3 a
10 de junho, homens e mulheres com idade superior a 16 anos.
Outras áreas como educação (18%) e combate à corrupção (8%) também
aparecem com alto nível de prioridade para a população. Contudo, a distância
delas para a saúde é significativa. Entre os outros temas citados pelos
entrevistados constam segurança (7%), combate ao desemprego (4%) e moradia
(3%). Temas como combate à inflação, meio ambiente e transporte despontam com
menor grau de prioridade, com menos de 1% na pesquisa.
SUS de difícil acesso e de má qualidade
A pesquisa realizada pelo Datafolha apontou ainda que todos os
aspectos do atendimento do SUS têm imagem insatisfatória entre a população
brasileira. Os pontos mais críticos estão relacionados ao acesso e ao tempo
de espera para atendimento. Mais da metade dos entrevistados que buscaram
acesso no SUS relataram ser difícil ou muito difícil conseguir o serviço
pretendido, especialmente cirurgias, atendimento domiciliar e procedimentos
específicos, como hemodiálise e quimioterapia.
Sobre a qualidade dos serviços, 70% dos que buscaram o SUS disseram
estar insatisfeitos e atribuíram avaliações que variam de péssimo a regular.
A percepção mais negativa está relacionada ao atendimento nas urgências e
emergências e nos prontos-socorros. Juntamente com as Unidades de Pronto
Atendimento (UPAs), estes setores têm se configurado como a principal ‘porta
de entrada’ para o SUS. Homens com idade de 25 a 39 anos, com nível superior
e moradores das regiões Norte e Centro-Oeste são os que pior avaliam os
serviços públicos.
Um ano na fila de espera
O tempo aguardado para ser atendido ou agendar uma consulta, exame,
internação, cirurgia ou outro procedimento também é um gargalo para o SUS.
Entre os 2.418 entrevistados da Pesquisa do Datafolha, pelo menos 30%
declararam estar aguardando ou ter alguém na família aguardando a marcação ou
realização de algum procedimento pelo SUS. Até mesmo pessoas que possuem
planos de saúde, 22% deles, disseram aguardam algum tipo de atendimento pela
rede pública.
Mas apesar desse percentual, isso não significa inexistência de
queixas ou facilidade no acesso ao procedimento diagnosticado. Só dois entre
cada dez entrevistados conseguiramser atendidos em até um mês no seu pedido
de consulta, exame, internação, cirurgia ou procedimento específico
(quimioterapia ou hemodiálise, por exemplo). Para quase metade da população
esse tempo é ainda maior, podendo chegar a seis meses. O mais grave é que uma
parcela significativa da população (29%) aguarda há mais de seis meses para
ter seu pedido atendido, sendo que mais da metade desse grupo relata estar na
fila de espera há mais de um ano.
As maiores taxas de pessoas que estão aguardando estão entre as
mulheres de idade intermediárias (25 a 55 anos), de escolaridade fundamental,
nos segmentos de classe menos favorecidos e residentes no Sudeste e nas
regiões metropolitanas.
Falta de infraestrutura no SUS
“Essa sobrecarga no atendimento de urgência e emergência acentua a
visão negativa sobre o SUS e demonstra a total falta de gestão e regulação do
sistema. É ali que, diariamente, pacientes e médicos e outros profissionais
de saúde constatam o abandono deste serviço público que, para muitos, é a
única alternativa”, afirmou Roberto d’Avila. Parcela significativa dessa
percepção ruim decorre da ausência de medidas que assegurem o bom funcionamento
dos serviços, lembrou o presidente, para quem a desativação de milhares de
leitos públicos nos últimos anos tem colocado médicos pacientes em
“sacrifício”.
De acordo com dados apurados pelo CFM junto ao Cadastro Nacional de
Estabelecimentos em Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, quase 13 mil leitos
foram desativados na rede pública de saúde entre janeiro de 2010 e julho de
2013. O número passou de 361 mil para 348 mil leitos. As especialidades mais
atingidas com o corte foram a psiquiatria (-7.499 leitos), pediatria
(-5.992), a obstetrícia (-3.431) e cirurgia geral (-340).
Em números absolutos, os estados das regiões Sudeste e Nordeste foram
os que mais sofreram redução no período. Só no Rio de Janeiro, por exemplo,
4.621 leitos foram desativados. Na sequência, Minas Gerais (-1.443 leitos) e
São Paulo (-1.315). No Nordeste, foi no Maranhão o maior corte (-1.181).
Entre as capitais, foram os fluminenses os que mais perderam leitos na rede
pública (-1.113), seguidos pelos fortalezenses (-467) e curitibanos (-325).
Falta
dinheiro e gestão de qualidade
As
avaliações negativas não se restringem à atividade fim do sistema de saúde
(atendimento). Há críticas também à gestão e ao financiamento do SUS. De
acordo com a pesquisa, para a maioria da população (80%) o governo tem
falhado na gestão dos recursos da saúde pública. Na opinião de quase 60% dos
entrevistados, o SUS não tem recursos suficientes para atender bem a todos,
de forma equânime.
Para o
1º vice-presidente do CFM, Carlos Vital, essa percepção sobre as finanças do
setor está diretamente relacionada à má gestão dos recursos públicos na área.
“Levantamentos recentes elaborados pelo CFM têm denunciado a situação do
financiamento e da infraestrutura da saúde no país. O último deles, divulgado
em julho deste ano, mostrou que o gasto per capita em saúde em 2013 foi de
apenas R$ 3,05 ao dia. O valor está muito abaixo dos parâmetros
internacionais e representa apenas metade do que gastaram os beneficiários de
planos de saúde do Brasil no mesmo período”.
De acordo
com o levantamento, em 2013 os governos federal, estaduais e municipais
aplicaram a cifra de R$ 220,9 bilhões para cobrir as despesas dos mais de 200
milhões de brasileiros usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao todo, o
gasto per capita em saúde naquele ano foi de R$ 1.098,75.
Equívocos
Outro
levantamento da autarquia mostrou ainda que, entre 2001 e 2012, o Ministério
da Saúde deixou de aplicar quase R$ 94 bilhões de seu orçamento previsto.
Significa dizer que a União deixou de gastar, por dia, R$ 22 milhões que
deveriam ser destinados à saúde pública.
“Como
podemos ter uma saúde de qualidade para nossos pacientes e melhor
infraestrutura de trabalho para os profissionais do setor com tão poucos
recursos? O pior de tudo isso é que, enquanto estados e municípios se
esforçam para aplicar o mínimo previsto em lei, a União deixa de gastar, por
dia, R$ 22 milhões que deveriam ser destinados à saúde pública”, criticou
Carlos Vital.
Outro
fator que aponta equívocos na gestão do SUS é a baixa capacidade de execução
das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com
análise do CFM, divulgado em março deste ano, apenas 11% das ações previstas
para a área da saúde foram concluídas desde 2011, ano de lançamento da
segunda edição do programa. Das 24.066 ações sob responsabilidade do
Ministério da Saúde ou da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) pouco mais de
2.500 foram finalizadas até dezembro do ano passado.
Enquanto
isso, 9.509 ações constam em obras ou em execução, quantidade que representa
39% do total. “Numa perspectiva otimista, mesmo que o Governo federal consiga
concluir projetos em andamento, o Programa chegará ao fim deste ano sem
cumprir a metade do prometido”, avaliou Vital. Entre a região do país, a que
apresentou pior resultado percentual de execução foi o Sudeste, onde o
governo conseguiu concluir somente 318 (7%) das 2.441 obras previstas.
Na
sequencia aparece o Nordeste, que apesar de concentrar o maior volume
absoluto de obras – mais de 11 mil -,teve apenas 1.119 (10%) empreendimentos
concluídos nos últimos três anos. Nas regiões Sul e Centro-Oeste, o
percentual de conclusão oscila entre 11% e 12%, respectivamente. Já os
estados do Norte tiveram o resultado relativamente melhor, mas igualmente
mínimos. Somente 464 (10%) das 2.861 ações foram concluídas.
Comparações
internacionais
Além da
má qualidade da gestão dos recursos, que tem impacto direto na assistência da
população e na atuação dos profissionais, os representantes dos médicos
acreditam que a saúde pública, no Brasil, não é uma prioridade de Governo.
“Recentemente, um grupo ligado aos planos de saúde mostrou que cada um dos
50,2 milhões de beneficiários de planos privados pagou, em média, R$ 179,10
por mês para contar com a cobertura de seu plano em 2013. Isso representa
cerca de R$ 2.150,00 por ano – quase o dobro do que os governos pagam pelo
direito à saúde pública”, ponderou o diretor de Comunicação do CFM, Desiré
Callegari.
As
informações do CFM dialogam com dados da Organização Mundial da Saúde – OMS
(Estatísticas Sanitárias 2014), que, apesar de diferenças metodológicas,
revelou que o Governo brasileiro tem uma participação aquém das suas
necessidades e possibilidades no financiamento. Do grupo de países com
modelos públicos de atendimento de acesso universal, o Brasil era, em 2011, o
que tinha a menor participação do Estado (União, Estados e Municípios) no
financiamento da saúde.
Segundo
os cálculos da OMS, enquanto no Brasil o gasto público em saúde alcançava US$
512 por pessoa, na Inglaterra, por exemplo, o investimento público em saúde
já era cinco vezes maior: US$ 3.031. Em outros países de sistema universal de
saúde, a regra é a mesma. França (US$ 3.813), Alemanha (US$ 3.819), Canadá
(US$ 3.982), Espanha (US$ 2.175), Austrália (US$ 4.052) e até a Argentina
(US$ 576) aplicam mais que o Brasil.
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FONTE: CFM
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