sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Calorias causam o vício em açúcar


Doces despertam desejos compulsivos, mas não é o sabor que alimenta a gula. E, sim, uma vontade maior do que a razão. Biológica e poderosa ao ponto de se transformar em vício. O cérebro tem compulsão pela quantidade de calorias, e não pelo gosto doce. O açúcar parece irresistível porque é altamente calórico, e não por ser gostoso, preconiza uma nova teoria sobre a forma como nos alimentamos e engordamos.



Este seria o motivo de adoçantes não despertarem o mesmo apetite que o açúcar comum, por mais que seu sabor procure se aproximar do sabor do outro. O que conta não é o gosto, mas a quantidade de calorias. A tese é defendida pelo grupo do neurocientista Ivan de Araújo, que investiga como alimentos calóricos estimulam os centros de recompensa do cérebro.

Professor dos departamentos de Psiquiatria e de Fisiologia da Universidade de Yale, nos EUA, Araújo procura explicações para a epidemia global de obesidade. Suas pesquisas estão entre os destaques do IX Congresso Mundial da Organização Internacional de Pesquisa do Cérebro (Ibro 2015), que levará ao Centro de Convenções SulAmérica, na Cidade Nova, de terça a sábado da semana que vem, os maiores especialistas do mundo em neurociência.

— Mesmo sem perceber, buscamos calorias — afirma o pesquisador, que chefia o programa de Neurobiologia da Alimentação do Laboratório John B. Pierce, também de Yale.

Acumular calorias para o cérebro significa ter energia suficiente para coisas básicas, como a fertilidade e a reprodução. Calorias são energia e o corpo humano possui um sistema complexo, resultado da seleção natural. Seu papel é acumular a energia dos alimentos. A falta de comida acompanhou a Humanidade por milhares de anos. A abundância de alimentos é recente, insignificante em termos evolutivos.

— O resultado é que temos corpos não adaptados à vida contemporânea, em que a comida é abundante e extremamente calórica. Há todo um sistema biológico preparado para captar calorias. Ele surgiu porque na natureza a comida é escassa. Nosso estilo de vida mudou, mas o sistema continua lá — salienta Araújo.

O cientista e seu seu grupo descobriram que o açúcar ativa uma região do duodeno (parte do intestino delgado) que envia sinais específicos ao cérebro. O duodeno comunica aos centros de recompensa do cérebro — que nos proporcionam sentir prazer e saciedade — que um alimento é calórico. Os pesquisadores também descobriram que o cérebro tem um grupo específico de neurônios sensíveis ao açúcar. Ingerir açúcar deflagra a liberação de dopamina, que dá a sensação de prazer e faz com que desejemos ainda mais doces. É por isso que eles provocam satisfação. Quanto mais comemos, menos sensível o sistema se torna e mais açúcar é necessário para liberar dopamina.

O cérebro de uma pessoa que engorda funciona como o de dependentes em uma droga qualquer, que precisa cada vez mais desta para obter o mesmo prazer. Um ciclo vicioso que, para Araújo, só pode ser quebrado com reeducação alimentar. E, nos casos extremos, de obesidade severa, cirurgias bariátricas que reduzam o duodeno.

— Assim, menos calorias seriam captadas, e a pessoa mudaria o comportamento e passaria a querer menos alimentos engordativos — explica o cientista.

Ele começou o estudo com camundongos transgênicos modificados para não perceberem o sabor doce. Os camundongos que não sentem o gosto do doce, porém, são tão loucos por açúcar quanto os roedores comuns. E não se deixam enganar por adoçantes, ignoram o produto como o fazem com alimentos menos calóricos e dão preferência aos que têm açúcar.

— Adoçantes não tiveram o sucesso esperado porque não enganam o cérebro e não saciam nossa vontade de comer doces. Para nós, isso acontece porque não são calóricos — frisa Araújo.

HOMEM ENGORDOU O GATO

O grupo de Araújo observou que, se é dado um alimento de baixa caloria a um animal obeso, ele o ignora. Já o roedor magro come. O obeso só vai comer o não calórico quando passar muito tempo sem comida e não tiver opção. Outra descoberta foi a de que carboidratos e açúcares em forma líquida ou cremosa são muito mais engordativos e viciantes.

— O líquido é absorvido quase que imediatamente. Provoca uma resposta cerebral mais potente. Refrigerantes, sorvetes, milk-shakes e até mesmo o insuspeito açaí levam a um consumo maior de calorias — afirma.

E adorar açúcar não é uma particularidade humana. O açúcar é precioso e raro na natureza. Como é energético, todos os animais, da mosca ao cachorro, apresentam compulsão por acumulá-lo. Há apenas uma exceção: os felinos.

— Os felinos não detectam o doce da mesma forma. São estritamente carnívoros, muito especializados em proteínas e têm dificuldade de metabolizar glicose — conta Araújo.

Entretanto, mesmo entre os felinos, a companhia humana teve impacto. O gato engordou com o homem. Os gatos domésticos são os únicos a apresentar uma mutação que os torna adoradores de gordura, isto é, lipídios. Garfield e seus iguais adoram mesmo lasanha. E isso, como para os humanos, só lhes causa problemas. O gato doméstico ama gordura e, se esta for farta, ele não só engorda, como se torna diabético e hipoglicêmico. Tal dono, tal gato.

FONTE: O GLOBO



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