O aquecimento global desacelerou?
Estudo da NASA publicado
na revista Science explica o suposto "hiato" do aquecimento: o calor
absorvido pelos oceanos teria se transferido de águas rasas do Pacífico para
camadas mais profundas dos oceanos Índico e Antártico. É esse fenômeno que faz
com que haja uma aparente redução no ritmo das mudanças climáticas que afetam a
Terra.
O planeta está esquentando, não há
como negar. Desde 1880, quando começaram os registros formais, a temperatura
subiu 0,8 grau, e dois terços desse aumento aconteceu nos últimos 40 anos. Não
só treze dos catorze anos mais quentes já documentados ocorreram neste começo
de século, como 2014 bateu o recorde dos registros. Detecta-se hoje, porém, um
fenômeno que intriga cientistas. Apesar de o calor planetário crescer ano a
ano, o ritmo desse aumento vem diminuindo. Isso vai na contramão das previsões
de climatologistas, que apontavam que quanto maior fosse a emissão de gás
carbônico (o CO2) na atmosfera, índice que só sobe, maior seria também o fator
de elevação da temperatura da Terra. A esse estranho acontecimento foi dado o
nome de "hiato", justamente por representar uma aparente pausa no
aquecimento. Na quinta-feira passada, porém, a Nasa, a agência espacial
americana, finalmente achou uma resposta para esse fenômeno que negaria as
estimativas catastróficas de ambientalistas, e poderia jogar uma pá de cal nos
esforços conservacionistas para tentar limitar os efeitos negativos das mudanças
climáticas. Em resumo, os pesquisadores da Nasa descobriram que é só aparente a
redução no ritmo do aquecimento global.
O hiato era utilizado por estudiosos "céticos" como o
principal argumento contrário à ideia da existência de aquecimento global.
Diferentemente do que é mais aceito pela comunidade científica, esse grupo não
credita as mudanças climáticas à atividade humana, que tem lotado a atmosfera
com gases de efeito estufa por meio, por exemplo, da queima de combustíveis
fósseis, como petróleo e carvão. Para os céticos, fatores naturais explicariam
a oscilação de temperatura, como ciclos esperados do clima da Terra, ou ainda a
inconstante atividade do Sol.
Uma análise de dados coletados por satélites da Nasa mostrou que os
oceanos têm absorvido grande quantidade de calor ao longo do tempo. Os
pesquisadores analisaram a distribuição de calor no planeta e descobriram que,
ao menos desde 2003, as águas quentes que ocupavam os primeiros 100 metros a
partir da superfície do Oceano Pacífico resfriaram - o que condiz com a teoria
da pausa do aquecimento. Porém, e aí está a novidade, essa perda de calor foi
compensada com o aquecimento de águas mais profundas, de até 300 metros a
partir da superfície, nos oceanos Índico, Antártico e do próprio Pacífico.
"Ainda não entendemos esse mecanismo por completo. Mas podemos
afirmar que o resfriamento da superfície nos iludiu. Nos próximos anos o calor
regressará às águas rasas e à atmosfera", disse ao site de VEJA a
espanhola Veronica Nieves, física da NASA e uma dos autores do estudo. "A
oscilação, combinada ao fato de que estamos fornecendo calor extra para a
atmosfera por meio das emissões de gases estufa, indica que o aquecimento vai
acelerar novamente", completa.
A descoberta deve ser agora incluída nos modelos climáticos utilizados
por cientistas para prever o aquecimento e seus efeitos em diferentes cenários
de emissões de gases estufa. A conclusão é importante ainda por revelar com
mais detalhes como os oceanos agem como reguladores da temperatura do planeta.
"Se não fosse pelos mares, a atmosfera teria aquecido mais de 1,5 graus
nos últimos 150 anos, e não 0,8 grau, agravando a situação já ruim", diz o
climatologista Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo. "O problema é
que, ao absorver o calor excessivo da atmosfera, os oceanos também estão sendo
fortemente afetados, com alterações nas correntes oceânicas, na salinidade e na
acidez da água."
O debate sobre as mudanças climáticas teve idas e vindas. Enquanto se
acumulavam evidências de que o aumento das temperaturas estaria ligado à
emissão de gases estufa pelo homem, os céticos se opunham opor à explicação. A
tese desse grupo ganhou força no fim dos anos 2000, quando aconteceu o
escândalo apelidado de "climategate". Em 2009, mais de 1 000 e-mails
de cientistas e ambientalistas foram hackeados e divulgados na internet.
Trechos dos e-mails sugeriam que os pesquisadores haviam manipulado, ou mesmo
escondido, dados, além de negar acesso público às informações e impedir a
divulgação de artigos científicos com posição diferente da deles. Em outras
palavras, maquiaram informações para solidificar as teses mais extremas sobre
as mudanças climáticas.
Os dois casos tiveram impacto profundo na Cúpula do Clima que aconteceu
em Copenhague, em dezembro de 2009, considerada um fracasso pelos
ambientalistas por não ter representado avanço nas discussões para um acordo
que levaria à diminuição significativa da emissão de CO2 pelos países
envolvidos nas negociações. A reputação do IPCC e dos cientistas que defendiam
o aquecimento global também foi abalada, mesmo depois de a instituição ter
reconhecido as falhas e se desculpado por elas, e de as investigações
instauradas para averiguar o climategate reconhecerem que os cientistas eram
inocentes das acusações.
Desde então, estudiosos vêm se esforçando para mostrar que a ameaça das
mudanças climáticas é muito maior do que as polêmicas que apareceram no
caminho. Em seu último relatório, divulgado entre 2013 e 2014, o IPCC
determinou critérios mais rígidos para selecionar quais estudos levaria em consideração.
A revisão foi extensa, com três rodadas de análise resultando em 54 000
comentários de revisores, o dobro dos recebidos na versão anterior. Até os
dados que projetavam o aumento de temperatura em diferentes cenários foram mais
cautelosos, apontando para uma elevação que deve variar de 1 a 3,7 graus até o
final do século - no relatório anterior, essa escala ia de 1,8 a 4 graus. O
órgão, porém, foi taxativo no mais importante: definiu a possibilidade de o
homem ser o maior causador do aquecimento global em 95%, um aumento de 5% em
relação ao trabalho anterior.
A questão do "hiato", porém, ainda se mostrava como um desafio
para os ambientalistas. Não havia explicações críveis para a aparente pausa do
aquecimento global nas últimas duas décadas. A descoberta da Nasa, portanto, é
fundamental. Sim, há aquecimento global, e seu ritmo deve voltar de forma ainda
mais intensa justamente em consequência desse "hiato", que acabou por
armazenar calor em áreas mais profundas dos oceanos.
Com isso, os céticos terão de repensar seus argumentos - ou mudar de
opinião. Como fez, em 2012, o climatologista e físico Richard Muller,
pesquisador que até então integrava o grupo de descrentes, mas que reconheceu,
em artigo publicado no New York Times,
que a melhor explicação para o aquecimento do planeta é mesmo a emissão de
gases de efeito estufa pelo homem. Resta saber se esse posicionamento vai se
refletir na conversa que governantes de todo o mundo terão em Paris, no fim do
ano, durante a Cúpula do Clima, na qual se estabelecerá o acordo climático que
substituirá o defasado Protocolo de Quioto na regulação global da emissão de
gases de efeito estufa. Assim como fez o Brasil na
semana passada, todos os países devem apresentar metas com antecedência para
que o diálogo em Paris já comece adiantado. "Este trabalho da Nasa é mais
uma contribuição para a discussão e espero que ajude a criar um consenso
definitivo", diz a pesquisadora Veronica Nieves.
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